segunda-feira, 13 de agosto de 2007


O gato


Esse não é um artigo político ou sobre ficção científica, embora esses assuntos sejam predominantes nos textos que escrevo. Esse é um artigo sobre os gatos.

Animal misterioso e fascinante, amado por uns e odiado e perseguido pela maioria, ele passa imponente por todos caminhando solitário pelos muros noturnos e miando suas brigas e seus amores para a lua, provocando a ira dos humanos civilizados que precisam acordar bem cedo para ter mais um dia de trabalho monótono. O gato gosta de areia e evita tomar banhos porque seu ancestral viveu nos desertos, tendo sido venerado pelos egípcios, que por sinal tinham uma deusa com cabeça de gata e rodeada de filhotes aos seus pés, a Basthet. Quando a deusa-gata estava feliz, ela dançava. Quando estava furiosa, sua cabeça de gata virava uma cabeça de leoa. Seu estado de humor estava sempre se alternando, como as fases da lua e como o ciclo menstrual humano.

O gato tem em si muito do universo feminino (e a mulher possui muito da alma da gata), mas também carrega um simbolismo masculino singular. Se fosse homem, provavelmente o gato seria um pirata, um cavaleiro árabe antigo ou um esguio baiano lutador de capoeira. Certamente não seria um norte-americano de classe média, a menos que fosse como o Garfield.



O Garfield apresenta todas as características de um gato castrado: é sedentário, guloso e não tem vida sexual saudável - incrível semelhança entre um gato castrado e um norte-americano conservador! Diferente dele é o Tom, de Tom & Jerry, que é esguio, vive correndo atrás de ratos, passarinhos e que adora paquerar as gatas.

Por ter esse ar misterioso e sensual e trazer uma simbologia associada ao mágico, à intuição e à noite, milhares de gatos foram mortos durante a Idade Média - milhares de gatos e milhões de mulheres, ambos acusados de ter parte com o Diabo. Até hoje persiste a imagem da bruxa gargalhando pela noite com seu gato preto, preconceitos sombrios perpetuados por lendas sem fundamento e pelo medo que os ignorantes têm pelo desconhecido. A peste negra que assolou a Idade Média só ocorreu porque quase não havia mais gatos para caçar os ratos. Sem seu predador natural, os roedores se espalharam pela Europa, e consigo levaram suas doenças, como a peste bubônica. A Peste Negra é um exemplo objetivo do que a ignorância pode produzir.

Infelizmente ainda hoje os gatos são hostilizados. Pelo que pude observar, as pessoas que odeiam os gatos possuem um perfil muito parecido. Geralmente são fanáticos religiosos ou são materialistas (estranha ponte que liga esses dois opostos. Mas, serão opostos, realmente? Ou os fanáticos e os materialistas são linhas paralelas que correm para o mesmo lado?).

Geralmente lamentam o fato do gato ser avesso a correntes. Ora, é maravilhoso que esse bicho tão pequeno brigue por sua liberdade com todas as forças de suas patas! Quem é que gostaria de viver preso a uma corrente?? Essas pessoas que odeiam gatos estão presas por correntes invisíveis aos seus maridos, esposas, filhos, religiões e trabalho, e não suportam ver a liberdade miando em seus muros.

Também não suportam o fato do gato não aprender na base da porrada, como a maioria dos cachorros aprendem. Se você bater num gato, prepare-se para sentir uma reação violenta. Quem já viu um gato realmente furioso sabe do que estou falando.

Falam também da lenda que o gato gosta mais da casa do que do dono. Isso é a maior besteira que podiam inventar contra os gatos. Acontece que o lugar onde o gato mora, bem como os quintais ao redor, é a sua área de caça. É ali onde ele vai caçar seus ratos e baratas, vai copular e vai impedir a invasão dela por outros gatos. É por isso que uma mudança de casa é tão difícil para ele. Dizem também que o gato não tem a subserviência do cachorro, mas convém lembrar que esse comportamento dos cães advém do fato de seus ancestrais, os lobos, viverem em grupos liderados pelo lobo mais forte. A esse lobo mais forte todos os outros abaixam as orelhas e se aproximam com o rabo entre as pernas - esse comportamento pode ser observado até hoje, como por exemplo, nos lobos que existem no Oeste do Canadá. O cachorro considera seu dono como o líder da matilha, e por isso possui esse comportamento tão servil.

O gato pode gostar de qualquer pessoa que estiver passando na rua, em frente ao seu portão. Ou então ficar indiferente. Ou então fugir. Já os cachorros latem para todos os desconhecidos, como se bastasse o fato de alguém lhe ser estranho para ser seu inimigo. Cães como rotweillers são ainda piores. Volta e meia aparece na imprensa uma criança que foi morta por um desses bichos. Teve um caso em que uma casa foi invadida e o rotweiller, ao invés de morder os ladrões, estraçalhou a própria dona! A propósito, muitos compram cães por "motivos de segurança". E "por motivos de segurança" praticam jiu-jitsu, cercam suas casam com arame eletrificado, votam no Afanásio, no Conte Lopes e no Maluf. É por "motivos de segurança" que os Estados Unidos estão fazendo o que querem com o mundo. Um mesmo padrão de pensamento move muitas coisas. Então que tal se, em vez de jiu-jitsu se pratique meditação, em vez de cercas eletrificadas se pratique uma política de boa vizinhança com o pessoal de sua rua, em vez do voto no Afanásio se entre para uma ong que tente ajudar no problema dos menores de rua?

Convido ao leitor desse artigo que preste atenção no modo de ser desses pequenos felinos que já foram tão injustiçados ao longo da história. No fundo eles são como nós. Ou nós somos como eles.

Saia à noite, sentindo a liberdade lhe eriçar os pêlos, e se insinue para outros gatos e outras gatas que encontrar pelo caminho. Olhe nos olhos dela (e) o mesmo mistério que ela (e) estará vendo nos seus. Espero que a lua esteja bem alta nessa hora.


TEXTO DE JOSIEL VIEIRA